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Há tempos que eu não sei o que é entrar numa loja, em uma galeria que minha avó e minha mãe sempre íamos quando as coisas eram de primeira linha, primeira classe... Eu tinha duas babás, Selma e Bruna, a minha casa havia muitos empregados, só para cuidar do jardim, eram necessários dez pessoas ao todo. Meus irmãos eram disputados, havia uma legião de meninas atrás deles e Marjorie, a caçula da família era considerada a garota mais encantadora por todos que a conheciam. Hoje ando por essas lojas para chegar na joalheria em que eu trabalho. Eu precisei ser forte, precisei encarar a realidade e salvar o que restou da minha família, onde muitos perderam a sanidade e viraram as costas para não ver a decadência de perto.

— Bom dia Fernanda, como está Lorenzo?

— Gordo e feliz. Minha mãe mima ele o dia inteiro, daqui a pouco ele não estará me reconhecendo como mãe.

— Pare com isso! Ele está bem, você está trabalhando, está colocando comida na sua mesa.

— Verdade. O pai dele quer voltar, mas cansa ter que criar duas crianças agora.

— Entendo que você quer uma família, mas precisa ser firme colocar regras nessa relação.

— Como eu já não fizesse isso!

— Na hora do almoço vou pegar a encomenda na Galeria Santana. Eu comprei aquele jogo de cama para o meu afilhado, ele vai gostar!

— Andrezza, não precisava!

— Chega! Eu disse que daria a ele e ele é meu afilhado. Deveria ter dado no dia do batismo.

— Sei que não está podendo...

— Olha só, eu paguei a vista e ganhei um desconto maravilhoso pelas peças.

— Obrigada amiga!

Não adianta dizer que não existe uma vida social aqui fora. Leona Mileto Casadavell, minha mãe e ex dona do clube Laerte Mileto da Grande São Paulo, filha única e bem criada e educada nas melhores escolas da capital, mas se apaixonou por Constantino júnior, umas das maiores promessas de seu tempo de jovem da família Casadavell, segundo filho homem de seis crianças. Cassandra Casadavell, minha avó era uma das mulheres mais classuda de sua época e viveu até seus oitenta e seis anos. Foi a última da família ainda ter o melhor plano de saúde do Brasil com a melhor cobertura nacional e internacional. Mas tudo acabou; o prestígio, o poder do nome, as melhores festas e acontecimentos; as reuniões no Jockey clube e acesso as melhores personalidades que uma sociedade disposta a pagar pelo melhor se preze.

— Acho que é seu irmão, Bernard. — Salete interrompe uma apresentação de alianças de um fornecedor junto com o senhor Franco, dono da loja e exigente como era antes quando éramos apenas clientes de sua loja.

Bernard não era de ligar para o meu trabalho. Mas como desligo meu celular quando Seu Franco está presente, certamente é algo emergencial.

— Eu espero muito que seja importante!

— Drezza, a mamãe, ela enlouqueceu!

— Bernard, estou trabalhando, sabe que meu patrão é um homem muito exigente. Liga para Letícia ou para Anselmo, estamos escolhendo peças.

— A mamãe gastou o dinheiro do colégio da Marjorie, na verdade ela gastou tudo, toda a nossa pensão. Minha faculdade Drezza?

— Liga para Anselmo, por favor! Se ele estiver ocupado, pede para Letícia. Eu sei que você está arrasado, mas..., não tem como eu sair daqui. Você está me deixando desequilibrada no meu trabalho!

Eu tinha vergonha de assumir, mas ultimamente, eu tinha vontade de esganar a minha mãe. Ela ganha quase trinta mil em salario, mas insiste em ter uma vida de rainha e esquece que essa vida não a pertence mais. Metade praticamente do que ela ganha é descontado por empréstimos e graças a Deus não pode comprometer mais a pensão. Parece que ela vive num mundo paralelo desde que meu pai morreu. Ela sabe que existe dois filhos que dependem dela, sei que Bernard tem idade para trabalhar, mas, é injusto tirar seu pouco tempo livre — ele já usa praticamente tudo de brechó e ainda faz alguns trabalhos para manter sua moto essencial para ganhar tempo — ele não faz faculdade particular, mas para manter uma USP da vida custa caro, ainda mais medicina. Tive que me recompor, as emoções negativas me dominaram, as lágrimas de minha raiva e de não entender por que minha mãe agia assim era desesperador.

— Quer ir para casa? Aconteceu alguma coisa?

— Minha mãe. Como sempre dando problema!

— Vai para casa. Ainda tem horas positivas.

— Senhor, eu peço desculpas!

— Amanhã, nos falamos, ok. Cuida da senhora Leona. Eu confio em você, é uma das melhores funcionárias que eu tenho. Mas com esse rosto preocupado não vai ser útil por hoje.

— Obrigado, senhor Franco!

Eu sei que ele já foi um namorado do passado da minha mãe, que tentou fazê-la considerar seus sentimentos e jeito modestos, mas ela simplesmente ainda o chama de judeu sem modos. Sua vaidade e narcisismo faz com o que ela não enxergue que trocou um homem íntegro, inteligente e sábio por um bon-vivant, incapaz de aprender com erros e gastava num único dia, o que eu luto para tirar num mês.

Sai do meu trabalho cedo, peguei meu carro e ainda pensando em ter que lidar com a minha mãe, não era um momento confortável. Eu praticamente volto para casa somente para dormir. Eu sabia que teria que gritar, defender os direitos dos meus irmãos mais novos e tentar sem sucesso mostrar que ela precisa parar de gastar com coisas supérfluas.

— Patê de ganso, queijos brie, champanhe... Acorda mamãe! Acorda! — Já chego e me deparo com ela, comento presunto Serrano Espanhol, que não quero pensar quanto ela pagou naquela peça.

— Eu fui criada comendo essas. Nem é tudo que que meu organismo sente falta!

— Eu sinto falta de muita coisa também! Sai do meu trabalho, ficar arrasa, e Bernard desorientado enquanto você podia cuidar melhor dos interesses deles, da criação deles! — Fico puta com seu sacarsmo e calmaria.

Eu achando que era só o fato dela não pagar o colégio de Marjorie ou a mesada de Bernard. Mas a situação estava prestes a piorar naquele mesmo dia. Uma intimação, havia quase um ano de condomínio atrasado e uma dívida de IPTU predial. Quando Anselmo morava aqui com Letícia, Leona implicava com eles por causa do meu irmão casar com a filha da empregada. Essas coisas nunca fugiram do controle e eu não podia simplesmente olhar tudo. Fiquei muito angustiada, Marjorie já estuda num colégio que nem chega a ser o que eu estudava — isso eu poderia negociar e pagar — mas morar numa cobertura no Brooklin, era uma realidade onde nossa situação atual não permitia. Eu cansei. Sentei na cadeira da cozinha ainda equipada onde consegui uma diarista que fazia um bom trabalho para manter um apartamento de 199 metros quadrados limpo diante de uma mulher que não lava nem seu prato...

— Parabéns mamãe, acabamos de perder nosso único apartamento! — joguei na mesa a carta de intimação e ela sentou na minha frente e pegou o papel.

Odeio quando ela me olhava com aquela cara de sofrida. Após algumas traições de meu pai, eles resolveram ter a Marjorie como um símbolo de união. Um tempo atrás, quando Anselmo e Letícia moravam aqui, eu dividia meu quarto com ela. Leona vive bêbada e não tem um afeto que teve comigo e meus irmãos; três anos após seu nascimento, as coisas desmoronaram e acho, que ela não consegue se manter estável e Marjorie tem o seu mundo, cansei de dormir no chão do quarto da minha mãe ou de Bernard para ela mostrar que tinha um quarto só dela para as amigas.

— Filha, se você considerasse casar com Juliano. Você pode também ligar para o...

— Um homem que me bate e me humilha, mãe? E isso ainda no namoro. Eu não lembro do papai ter te batido, ou te humilhado na frente de todo mundo! — Eu não disse isso em voz alta. Como queria fazer que ela entendesse de uma vez por todas que ele um covarde e possessivo.

Eu já estava me debulhando em lágrimas por ela me ver apenas como um objeto de possível valor de mercado.

— Você sabe que pode salvar a vida de sua família...

— Cala a boca! Pelo amor de Deus, cale sua boca! Eu vou dormir e quero que você pense no que você está fazendo. Ah, mais uma coisa, comece a colocar na sua cabeça que esse apartamento é inviável mantê-lo. Tenha uma boa noite!

Ela começou a gritar e eu fechei a porta do quarto. Ela tinha razão tinha, mas eu tentei, ainda mais que queria me manter na faculdade, mas Juliano se mostrou um cara possessivo demais e entendeu que eu era de uma família falida e usava isso a seu favor e quando minha mãe pedia dinheiro para ele e ele queria algo em troca sempre, minha sorte foi encontrar seu Franco e ir pessoalmente pedir um emprego a ele.

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