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Renato

Hoje é o meu primeiro dia como policial infiltrado. Estudei muito para passar no concurso e ser um policial e me esforcei ainda mais para ser notado e conseguir uma oportunidade de mostrar o meu trabalho. Eu nunca quis ser policial, mas sempre soube que seria. Não tem como fugir, está no sangue da nossa família. Meu avô e meu pai eram policiais brilhantes e eu, como único filho homem, não teria um destino diferente. Achei que ia ganhar os parabéns do meu pai por estar me esforçando tanto e colocando a minha vida em risco, mas recebi em troca apenas algumas palavras de desdém. O meu relacionamento com o meu pai nunca foi próximo. Ele viveu para o trabalho de forma que nem a minha mãe aguentou e o deixou e seguiu a sua vida. No fundo, eu acho que ele me culpa por isso, pois ela queria um pai para o filho e se casou novamente. De qualquer forma, preciso me concentrar, estou subindo a comunidade para me instalar na quitinete que eu aluguei em um local estratégico. Disse para o dono do lugar, que eu estava desempregado e que fazia alguns bicos consertando celulares e aparentemente a minha desculpa foi bem acolhida.

Quando chego no bar, onde pegaria as chaves do lugar, sinto que estou sendo observado por um homem mal-encarado e logo o reconheço, se trata do Pivete, braço direito do chefe do morro. Ele se aproxima de mim e pergunta:

__Você quer alguma parada?

__Não, obrigado. Estou tentando parar.

__O que faz aqui então? Você tem cara de playboy.

__Minha família não me aceita bem, faço uns bicos consertando celular. Preciso recomeçar a minha vida. Aqui é o lugar ideal, pois preciso de um emprego de verdade e fica perto do centro, além de ter um aluguel que eu posso pagar.

__Então você conserta celular?

__Sim.

__E desbloquear, você sabe? Tem vários lá na boca que vieram da pista, mas estão bloqueados. Você sabe dar jeito?

__Na maioria, sim.

__Firmeza. Amanhã passo aqui para te levar até lá.

Fico aliviado quando o homem se afasta. Eu sabia que ele estava me testando, afinal, ele não era traficantezinho pequeno para ficar me oferecendo drogas. Ele era a porra do braço direito do chefe. Claro que queria me testar e por incrível que pareça, acho que passei no teste. Ótimo, pois preciso me aproximar deles o quanto antes.

Aderbal era o meu senhorio e dono do bar, que me entrega as chaves. O lugar era uma espelunca, mas era perfeito para o que eu precisava, pois não podia aparecer por lá ostentando, senão iria ter que provar de onde vinha o meu dinheiro.

Eu arrumo minhas coisas e entro em um site onde estão armazenados todos os dados da operação, com fotos e informações de cada um que eu preciso para conhecer o funcionamento do morro. Elas só podem ser acessadas por uma senha que apenas eu tenho, pois se descobrem que sou policial, com toda a certeza serei torturado e morto.

Depois de me organizar, desço do meu quarto e vou dar uma volta pela comunidade. Preciso conhecer as pessoas e me enturmar. Sento em um restaurante simples, quase um bar e peço um PF. Estou com fome apesar de estar acostumado a um estilo de vida mais luxuoso, já que sou policial federal e tenho um ótimo salário, que com os investimentos certos, me rendem um bom dinheiro a cada mês, me delicio com o prato de feijoada com arroz que eu recebo. Tudo era muito simples, mas com um tempero espetacular.

Enquanto eu comia, fui informado do baile que teria mais tarde na quadra de esportes da comunidade. Perguntaram se eu ia, mas ainda estava reticente, porém, quando me disseram que todo mundo ia, acabei assentindo e disse que estava tudo bem, afinal, seria uma ótima forma de conhecer as pessoas.

Fui para o lugar que agora eu iria chamar de casa, pelo menos, se tudo desse certo, pelo próximo mês. Tomei um banho e fui descansar.

Depois de algum tempo dormindo, arrumei as minhas coisas de técnico de celular e as deixei expostas em uma mesa, bem como os meus documentos falsos em cima da mesinha ao lado da minha cama. Eu precisava me antecipar, pois caso invadissem o lugar para saberem da minha vida, iriam encontrar o que eu queria que eles vissem.

Eu era responsável por conseguir provas contra o maior traficante do país. Ele era conhecido por sua crueldade e por ser escorregadio, de forma que já tinha sido preso uma vez, mas não conseguiram mantê-lo lá, porque não tinham nada que o incriminasse. Era uma questão de honra para a corporação, por isso, eu estava autorizado a fazer quase tudo para conseguir prender o Coringa e ter material para deixa-lo preso pelo resto da sua vida.

Eu não estava de férias e toda a minha dúvida em relação a ir ou não ao baile caíram por terra e eu me arrumei e fui.

Não foi difícil encontrar o lugar, pois de longe dava para ouvir o funk alto tocando, bem como ver várias mulheres, com roupas minúsculas indo para lá. Apesar de nunca ter ido a um baile funk na favela, ele não era muito diferente das baladas caras que eu frequentava. As pessoas estavam atrás de alguma diversão e não havia nada de errado nisso. O único problema era que estavam tão acostumados com o poder paralelo do tráfico, que já não se importavam com os “caras” desfilando com armamento capaz de manter uma pequena guerra, para baixo e para cima.

Depois de observar a forma que eles estavam, finalmente percebi que estava como um estranho, quase um extraterrestre, pois eu vestia apenas um jeans e uma camisa preta, enquanto os caras estavam em sua maioria de bermuda, sem camisa e ostentando armas e enormes cordões de ouro, bem diferente do meu estilo.

Quando entrei no baile, logo encontrei algumas pessoas com quem havia feito amizade mais cedo e fiquei ali conversando banalidades. Eu percebi que algumas mulheres me comiam com os olhos, mas eu não me abalei. Eu não estava ali para casos e romances e sim para fazer o meu trabalho e sumir dali o quanto antes.

O Pivete estava lá e quando me viu, acenou para que eu fosse até onde estava. Ele estava em um camarote reservado para o Coringa e seus amigos e eu não hesitei em ir até ele.

Quando cheguei, logo fui recebido por Pivete:

__Coé, do celular? Vem aqui para eu te apresentar para a tropa.

Eu fingi naturalidade, mas estava tremendo por dentro, pois não existia a possibilidade, nem em um mundo ideal, de estar vivo em um ambiente daqueles se soubessem a minha verdadeira identidade.

Enquanto o funk rolava solto e as mulheres rebolavam sensualmente naquele camarote, fui levado a um lugar um pouco mais afastado e fiquei de frente para o meu alvo: o Coringa.

__Fala tu, é verdade que sabe desbloquear celular?

__Sei sim. Trabalho com isso, na verdade faço uns bicos.

__Amanhã você brota lá na boca com o Pivete, se der certo, tá empregado. Agora pode colar por aí e curtir o meu camarote.

Eu agradeci e peguei uma cerveja e depois de conversar um pouco com o Pivete, que achava que estava fazendo o empreendimento do ano, que era desbloquear os celulares que eles roubavam, encostei no muro, que tinha uma visão privilegiada da pista onde estava acontecendo o baile e acabo travando o meu olhar em uma morena dos olhos verdes, com os cabelos compridos e cacheados, que mais parecia uma artista de cinema de tão linda.

Apesar de estar morrendo de curiosidade de saber quem era aquela mulher, me contive e fiquei quieto, pois estava em um campo minado, mas se não estivesse disfarçado, faria de tudo para beijar aqueles lábios que estavam convidativos.

Depois de um tempo, a morena sumiu e apesar de ainda estar com a imagem dela na cabeça e repetir para mim mesmo que podia ter muita coisa boa e preciosa no morro, me assusto quando a vejo do lado do Pivete.

__Quem é o menor?

__Ele é um morador novo. Conserta celular.

__E por que ele está aqui?

__Ele vai começar a trabalhar com a gente amanhã. Claro, se o chefe aprovar.

Enquanto ela e o Pivete conversavam sobre mim em minha frente, mal conseguia processar o que eles diziam, pois o meu sinal de alerta estava gritando que ela poderia me colocar em confusão, em especial, pela forma que falava com um dos homens mais temidos do morro. Ela podia ser irmã dele ou de algum outro homem de confiança do Coringa.

De qualquer forma, ela era linda...

__Linda, prazer.

Meus pensamentos foram interrompidos por ela, que me deixou confuso. Será que ela conseguiu ler a minha mente?

__Meu nome é linda. Você é surdo?

Quando ia responder a ela, Coringa aparece e a segura pela cintura e a beija na boca de forma intensa e depois diz:

__É bom que seja surdo e cego para você, senão eu mato ele.

Droga! Ela é mulher da porra do chefe do morro.

__Não dá ideia para ele. Se precisar de alguma coisa é só me falar. Está vendo aquela mulher ali?

Ela apontou para uma garota de uns vinte anos, que estava dançando no camarote.

__Sim.

Respondi sem entender.

__Ela quer desenrolar com você, mas cuidado, ela é a irmão do Pivete, não sei se ele vai entender legal.

Eu precisava sair dessa confusão o mais rápido possível, pois além de não querer que o Coringa achasse que eu queria ficar com a mulher dele, não podia me envolver com a irmã do braço direito dele.

__Desculpe, mas não posso.

Coringa me olhou e perguntou:

__Você tem alguma novinha? A irmã do Pivete não é mulher para ser amante não.

__Não, eu não tenho ninguém, mas meu coração está fechado para o amor, pelo menos por enquanto. Preciso me recuperar e enquanto isso, não quero me envolver com ninguém.

Coringa olhou para a mulher e disse:

__Viu? Pode parar de querer bancar a casamenteira e fala com a Fabiele para deixar o cara em paz.

Depois disso, despistei um pouco e fui embora. Amanhã seria um outro dia e eu precisava estar descansado e com a cabeça no lugar.

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