Home/ Enamorar-se pelo oposto de mim Completed
Para herdar a herança, casei-me com um estranho que conheci pela primeira vez.
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O

dia hoje foi bom demais da conta, o rebanho estava menos agitado como de costume, a colheita de grãos e de frutas foram fartas. Só as verduras e legumes que não estavam muito boas, tudo por causa daqueles danados dos coelhos que viviam comendo as minhas hortas. Ah, mas eu ainda faço um cozido deles, a carne de coelho é danada de bom.

Voltei para a casa só no finalzinho da tarde, fui pela lateral da casa indo em direção do chuveiro externo. Mamãe pediu para papai fazer esse chuveiro do lado de fora, porque ela não gostava quando eu entrava em casa todo cheio de lama. Então, todo dia, quando minhas tarefas na fazenda terminavam, eu tomava uma chuveirada. Mamãe sempre deixava uma toalha no varal para eu poder usar, ela tinha medo que eu entrasse em casa e provocasse um infarto em Marta, a cozinheira da casa, por andar pelado. Bom, eu tentava passar despercebido, mas não dava muito certo.

Peguei a toalha que estava no varal e pendurei na porta da cabine que dava acesso ao chuveiro. Não chegava ser um banheiro, porque um banheiro era todo fechado de cima abaixo. A cabine que papai construiu tem um metro e meio de altura, cobre da minha canela até o meu tórax, dando para ver por cima da cabine quem passava no lado de fora.

Peguei um sabonete caseiro que mamãe fazia com banha de porco, mel e mais algumas coisas que não sei o que era, que dava um cheiro danado de bom no sabonete e acunhei para dentro da cabine. Tirei minhas roupas, pendurei na cabine e liguei o chuveiro, que depois de um dia bom como hoje, era gostoso que só. Depois de molhar o meu corpo, passei o sabonete esfregando tudo quanto era parte, porque sei que mamãe irá conferir e se tiver alguma parte suja, ela irá me fazer tomar banho de novo. Tirei a lama das pernas e lavei entre os dedos.

Vi por de baixo da cabine, dois pés tamanho trinta e cinco. Era os pés da Cidinha. O que ela fazia aqui? Pensei que estava estudando na cidade.

— Será que posso ajuntar-me a você? Parece que essa água está uma delícia.

Estiquei o meu corpo e a olhei por cima da cabine.

— Eu estou pelado!

— Até parece que eu nunca te vi pelado antes.

— Éramos crianças! — falei passando sabão no meu rosto o enxaguando depois.

— Depois de grande, também!

— Isso foi antes de eu te pegar se esfregando naquele mauricinho engravatado. — Ela me olhou decepcionada.

De tanto a mamãe “atazanar” os meus ouvidos dizendo que eu deveria namorar a Cidinha, eu a obedeci. Mesmo vendo Cidinha como uma irmã.

Um dia resolvi buscá-la de charrete na faculdade, que ficava no centro da cidade. Quando ela me viu, sentiu vergonha de mim, entrou no carro de um mauricinho e antes de sair, eles se beijaram. Agora ela ficava atrás de mim querendo voltar. Mas como a princípio, eu a vejo como uma irmã.

— Poxa, Romão! Eu cometi um erro e já pedi desculpas, são águas passadas. Eu sempre amei você.

— Jeito estranho de demonstrar isso.

Desliguei o chuveiro terminando o meu banho, peguei a toalha e me sequei.

— Você não vai esquecer nunca, não é?

— Olha, Cidinha, eu te quero muito bem, mas nunca te vi de outra maneira, que não fosse como uma irmã. Eu só namorei com você, porque mamãe insistiu muito e te agradeço por você ter feito aquilo, pois eu ia terminar com você de qualquer jeito. — Ela me olhou com os olhos esbugalhados de surpresa.

— Você pensou em mim como irmã, quando estávamos na cama? — Enrolei a toalha na cintura, lembrando dos momentos ardentes que tivemos.

Maria Aparecida, Cidinha se preferir. Com vinte e um anos de idade, loira de cabelos encaracolados, que agora estavam lisos por influencias das patricinhas da cidade grande. Alta, um metro e setenta e oito centímetros de altura, olhos cor de mel, pintados por um pó que chamavam de maquiagem. Eu a preferia como era antes, ao natural, sem esses rebocos todos na cara. Mas desde que ela começou a fazer faculdade, por ter conseguido uma bolsa de estudos, perdemos a nossa Cidinha humilde, que servia para ser uma boa esposa. Agora era a Cidinha sexy, que sonhava em morar na cidade e que não dava mais valor as coisas simples do campo.

— Uai! Você é uma mulher bonita e eu não sou de ferro.

— Eu posso até ser para você, como uma irmã, mas sei o que eu sinto e não vou desistir de você. — Ela saiu pisando fundo no chão, ela sempre fazia isso quando era contrariada.

Saí da cabine e fui para a área de serviço, levando as minhas roupas sujas, para coloca-las de molhos e não ter que dar tanto trabalho para a Marta, esfregando os encardidos das roupas. Coloquei as roupas em um balde, acrescentei o sabão em pó e “danei” água dentro, até ficar submerso.

— O que a Cidinha queria? — Olhei para a mamãe e a vi emburrada.

Dona Meire, ela era uma senhora de quarenta e dois anos, bem conservada e linda. “Para ser minha mãe tem que ser linda.” Cabelos castanhos claros, quase loiro, levemente grisalhos. Posso dizer que a velhice ainda não chegou para ela. Olhos azuis e brilhantes que papai tanto era apaixonado. Dizem que olhos são espelho da alma, acho que foi por isso que papai se apaixonou pela mamãe, uma alma tão linda e generosa como a dela, eu nunca vi até hoje.

— Ora! O de sempre, né? Pedir desculpas, voltar comigo, tomar banho...

— Eu sei o que ela fez para você, mas ainda acho que ela é uma boa mulher para você se casar.

— Dona Meire, eu não estou procurando uma mulher para casar e se eu estivesse, não existe só a Cidinha no mundo.

— Mas a Cidinha te conhece, sabe o que você gosta e ela vai saber te fazer feliz.

— Cidinha só quer saber da cidade grande, ela não se importa com os bichos e nem com a colheita. — Peguei uma escova e esfreguei as minhas botinas.

— Talvez não seja uma má ideia mudar para a cidade grande, aprender fazer outras coisas.

— A Senhora está conversando muito com o papai, ele ainda está insistindo para que eu vá trabalhar com ele?

— Você é inteligente em finanças, seu pai está passando por dificuldades na quitanda, você poderia ajudá-lo. — Terminei de limpar as botinas e coloquei no murinho da área de serviço.

— Eu não sei nada sobre o trabalho do papai, muito menos como administrar um negócio. Eu vou ser, somente, um peso para ele. Meu negócio é a terra, os bichos, com eles eu me dou bem e não com um bando de almofadinhas.

— Bom, você é quem sabe, eu quero o melhor para você e não acho que você terá uma oportunidade de crescer na vida, enfiado num fim de mundo como esse.

— Eu estou bem aqui com vocês, eu não preciso de dinheiro, ou ser rico para ser feliz. — Ela deu de ombros.

— Seu pai está no escritório, ele quer falar com você.

Dei o segundo beijo do dia nessa mulher que me botou para fora aos berros. A parteira disse que ela quase morreu na hora do parto, tiveram que levá-la às pressas para o hospital. O médico disse que ela não poderia mais engravidar, por causa de uma complicação no parto e tiveram que retirar o útero, era por isso que sou filho único.

Papai conheceu mamãe quando eu já tinha um ano de nascido e papai cuidou de mim como se eu fosse seu filho. Ele queria ter a casa cheia de pimpolhos, mas a mamãe só teve a mim. Mamãe sabia dessa vontade de papai, em querer a casa cheia e contou para ele que não poderia ter mais filhos. Mesmo assim, papai se casou com a mamãe, porque a amava muito.

Mamãe nunca falou sobre meu pai verdadeiro e eu também nunca perguntei, sei que era doloroso para ela, e também, ele nunca me fez falta, pois, o senhor Ismael, soube muito bem cumprir esse papel de pai.

Passei pela cozinha, segui pelo corredor, até chegar ao escritório de papai, o ouvi falando no celular bem “aporrinhado.” Eu entrei sem bater e sentei-me no sofá no canto do escritório, enquanto ele terminava a ligação. O papai estava em frente à janela, de costas para mim, “esbravejando” ao celular.

— Eu tenho certeza que o Geraldo está me passando a perna... Robson, aquele desgraçado está me devendo muito dinheiro, eu vou desfazer a sociedade com ele... Eu não quero saber, eu quero que você descubra e me conte, é para isso que eu te pago. — Fiquei olhando para os lados, procurando algo que me distraísse, não gostava de ficar ouvindo as conversas do papai. — Ele está aí? Coloca ele na linha... Ouça aqui seu filho de uma rapariga. — “Rapariga” significa moça em Portugal, eu li isso em algum lugar. — Você não pode colocar a minha fazenda como garantia, a dívida é sua... Eu não vou vender a minha fazenda para pagar sua dívida, se vira, foi você que fez... A fazenda era do meu avô, que passou para o meu pai, que quero passar para meu filho e um dia para o meu neto... — Parecia que a coisa estava feia mesmo para o papai. — Não é problema seu? Seu filho da... Desligou na minha cara? Aaaahhhhhh!!!!!! — Ele lançou o celular na parede com força, se “espatifando” todo.

— Problemas na Quitanda? — falei cautelosamente para que ele não se aborrecesse comigo.

— Esses desgraçados... — Ele se virou para mim e se assustou. — JESUS! Você está pelado!?

— Que exagero! Eu só estou de toalha. Acabei de chegar do campo, tomei uma chuveirada e vim para cá. Mamãe falou que o senhor queria falar comigo, não queria te incomodar, pois, o senhor estava falando no celular.

— E não deu tempo de ir trocar de roupa, enquanto eu estava em um telefonema? — Bem pensado, eu devia ter feito isso mesmo.

— Eu não queria perder tempo — Mentira! Essa ideia não passou pela minha cabeça.

— Bom, já que você está aqui, eu preciso conversar com você.

— Estou à disposição. — Ele deu um sorriso fraco e encostou-se na sua mesa.

Papai era dez anos mais velho que mamãe, cabelos lisos e grisalho, olhos castanhos e um furo no queixo. Ele era um homem bem “afeiçoado,” mamãe era “abilolada” por ele. Se na minha velhice, eu for a metade do homem que era papai, posso dizer que estarei forte como um touro reprodutor, ainda dando no coro.

— Eu sei que você gosta da terra, da colheita e dos gados. Eu também gosto pode acreditar, mas eu preciso de você comigo na cidade grande.

— De novo essa conversa, seu Ismael? — Levantei-me do sofá “aporrinhado.”

— Filho! Eu preciso de você, aqueles desgraçados estão me roubando, você é o único que é bom nas finanças e o único que eu posso confiar. Olha só para essa fazenda, você pode transformar esse lugar, você aprende rápido, é o cara mais inteligente que eu conheço e eu preciso da sua ajuda.

— E quanto a fazenda? Quem vai administrar? — falei preocupado com aqueles coelhos danados, que me “aporrinhavam” comendo minhas verduras e legumes.

— A gente contrata alguém da sua confiança, mas preciso de você comigo. — Bufei.

— Tudo bem, o que eu tenho que fazer?

Papai abriu um sorriso de orelha a orelha, nunca vi ele dando esse sorriso antes, a não ser, para minha mãe todas as manhãs.

— Eu vou precisar viajar, quero desfazer a sociedade, porque o Geraldo quer fazer empréstimo no banco e quer colocar a fazenda como garantia, eu não concordo com isso. Quando voltar a gente conversa.

— Quando vai viajar?

— Amanhã!

— Não quer que eu vá com o senhor, para pegar o espírito da coisa?

— Não precisa, isso eu tenho que fazer sozinho. Fique aqui e arrume alguém para cuidar da fazenda, quando eu voltar começaremos a trabalhar.

— Vai levar a mamãe? — Papai sempre levava a mamãe nas suas viagens, dificilmente eles se separavam.

— Não, essa vai ser uma viagem rápida e não quero aborrecê-la. — Papai sempre preocupado com o bem-estar da mamãe.

Um dia queria conhecer uma mulher que me virasse do avesso, como a Mamãe fazia com o papai. E me apaixonar perdidamente, como papai e mamãe eram apaixonados um pelo outro. Papai sempre diz que ele era quem mandava na casa, mas quem mandava nele era a mamãe, ou seja, era ela quem mandava na casa.

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