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Elizabeth

Mansão Welch - Vila de Burton, Christchurch, Reino Unido

Outono de 1839

"É triste constatar que um órgão pendente,

Seja o grande sinal determinante,

Que decide quem faz as regras que devemos seguir,

Que define quem deve comandar.

Queria eu, sendo mulher, me libertar

E viver a vida sem me preocupar

Com essa sociedade machista que quer nos oprimir

E com todas essas vozes que querem nos calar.

Esperam que eu ande nos trilhos,

Que eu me cale, case e tenha filhos,

Então mantenho a chama da revolta em segredo.

Para usá-la em momento oportuno.

Por isso escrevo esses poemas e os guardo,

Enquanto presa pelos costumes eu aguardo,

O momento em que poderei me expressar sem medo,

Me livrando desse existir soturno.

Só não quero que esse momento se prolongue demais

E que não seja só na morte que eu venha a ter paz,

Pois, quão triste será minha vida

Se passá-la integralmente oprimida?

Assim antes de dormir, de madrugada,

Eu lanço orações, mesmo que para o nada,

Implorando por qualquer tipo de colírio,

Que finde as lágrimas que brotam desse martírio."

Elizabeth Welch

Fechando o seu caderno, Elizabeth o envolveu em um pedaço de couro e voltou a escondê-lo em um compartimento que descobrira em seu quarto, na luxuosa mansão que seu pai havia herdado de um tio que faleceu sem herdeiros.

Seus poemas eram seu refúgio desde quando a sua mãe morreu, quando ela ainda era muito jovem. Os dez anos que viveram juntas, foram suficientes para perceber o quanto ela era triste e que vivia sem muitas expectativas, tanto que quando a doença veio, não houve da parte de Lorrayne Welch qualquer vontade de combatê-la.

Mesmo tendo apenas dez anos, ela começou a ser treinada para ser uma dama e uma esposa, aprendendo como se portar em jantares da alta sociedade, e que tipo de conversas poderia ter com as outras esposas, isso tudo paralelo aos seus estudos, o que não permitia que tivesse tempo para a única coisa que deveria realmente fazer — ser criança.

Nos anos que se seguiram à chegada das primeiras regras, a pressão sobre ela aumentou, sendo que, como filha única, era a responsável por dar sequência ao sobrenome da família, e seu pai, o oportunista Benjamin Welch, via em cada herdeiro de aristocrata um candidato a marido para ela.

Esquivando-se como pôde, Elizabeth chegou aos dezoito anos sem se casar, tendo em sua jovem madrasta Violet, sua maior aliada. Quando Violet Stillwell foi forçada a se casar com o senhor Welch e viu que seria madrasta de uma jovem, que tinha quase a sua idade, se prontificou a fazer o possível para que ela não tivesse o mesmo destino e, desde então, vinha usando todas as ferramentas imagináveis para convencer seu marido a esperar "o melhor momento" e "o melhor marido" para Elizabeth.

Porém estava cada vez mais difícil suportar as pressões para que escolhesse um marido, já que Elizabeth era a jovem mais bela do condado de Dorset e talvez a mais bela de todo Reino Unido. Aristocratas velhos e seus filhos, condes e duques surgiam para cortejá-la e o que impedia seu pai de tomar a decisão era a possibilidade de conseguir uma oferta melhor no dia seguinte.

Em segredo nas madrugadas, ela registrava em seu diário seus poemas, suas lamentações e suas ideias, com o intuito de não explodir ao guardá-las só para si e quem sabe algum dia poderia ser livre para se expressar abertamente.

Um calafrio percorreu o seu corpo e só então ela percebeu que a janela de seu quarto estava aberta. A noite a convidava a sair e a escuridão tinha algo que a excitava além do normal. Fazendo uma nota mental, ela se advertiu a se confessar ao padre Wilson, na missa dominical, e fechando a janela, se preparou para tomar um banho relaxante antes de dormir.

Mesmo seu quarto estando no segundo andar da grande mansão, sem nenhuma construção ou árvore próxima de sua janela, ela sentiu a sensação de estar sendo observada, porém, por algum motivo preferiu não fechar as cortinas e despiu-se lentamente, como se fizesse uma exibição ao seu observador sombrio.

— Se me desejas tanto assim, por que não me libertas deste cárcere? — ela disse baixinho, olhando para as trevas que não a deixavam ver nada além do vidro — O inferno não seria pior que um casamento forçado.

Caminhando até a banheira ela deixou a água morna, previamente preparada pela sua aia, cobrir todo seu corpo e com uma esponja macia massageou o corpo lentamente. Em sua mente ela imaginou que as mãos que percorriam seu corpo fossem de seu observador imaginário, tocando suavemente cada ponto sensível e íntimo. E sem se envergonhar se entregou ao prazer intenso.

Após o banho e após mais uma nota mental sobre se confessar na missa dominical, ela se preparou para dormir. Pelo menos em suas fantasias e em sua imaginação, ela era livre e podia gozar de momentos únicos de prazer.

Com o corpo e a mente relaxados, ela adormeceu com a esperança de acordar em um mundo diferente, onde toda repressão tivesse sido extinta.

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