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Meu pai desapareceu e nem o próprio Espírito Santo saberia me dizer o que havia ocorrido para ele tomar uma decisão tão irresponsável.

Eu não poderia esperar muito de uma criatura tão irracional como ele, pois fazia anos que eu era a pessoa responsável por nós dois. Porém eu também não conseguiria viver com a preocupação me perturbando todas as noites enquanto ele se escondia de seja lá o que, e esse pensamento carregou-me até nossa casa de veraneio no Brasil. O único local onde eu tinha certeza que o encontraria quando seu momento de surto acabasse.

O problema era que procurar por um homem com amor pelo desconhecido, seria como tentar algo quase impossível e, até então, tudo o que eu tinha era uma casa velha e mofada onde passamos nossas férias…

Acreditei que levaria uma eternidade até ele tomar a decisão de ir para à casa, no entanto, não custava tentar.

À casa estava escondida em uma região urbana na Grande São Paulo. Uma área muito tranquila, regada de pessoas educadas com pouco tempo para papear e muito serviço. Meu pai diziam que antigamente a cidadezinha era conhecida como “A casa das artes”, pois grandes artistas haviam nascido nela, mas conforme os anos foram se passando aquela história foi se perdendo no tempo junto com à cidade que acabou esquecida pelas pessoas de fora.

Ainda assim, minha mãe foi uma das artistas mais cobiçadas que também haviam saído de lá para explorar o mundo, mostrar seu trabalho pelos quatro cantos e que teve muito êxito nessa jornada. Meu pai sempre tinha ótimas histórias para contar sobre as viagens que ambos fizeram juntos e à maioria dessas aventuras eram projetadas dentro das paredes daquela enorme casa perdida em meio às chácaras.

Não cheguei a conhecer minha mãe. Tudo o que eu sabia era que ela havia crescido naquela casa e partiu para realizar seu sonho quando se tornou uma mulher independente. Depois que conheceu meu pai, nunca mais voltou, mas quando sua família morreu o terreno foi entregue à única herdeira. Eu.

George acreditava que passar as férias lá, era uma forma de me aproximar de mamãe e por isso íamos tantas vezes.

Posso dizer que eu e meu pai éramos uma família de dois muito unida. Essa união foi tão forte ao ponto de sua partida ter me afetado friamente. Eu não consegui encarar aquilo como algo bom, mesmo depois de todo trabalho que papai me deu durante os anos com seus vícios em jogos proibidos.

Passei muitos dias relendo o bilhete de despedida que ele deixou na geladeira e, ainda assim, não parava de pensar que uma hora ou outra ele poderia cair morto em algum lugar.

Por essa razão fiz o que um bom filho faria e tentei encontrar pistas ou qualquer coisa que me desse um rumo, mesmo que nada desse certo no fim de todo esse trabalho, eu precisava tentar.

Havia muito tempo que eu não voltava para aquele lugar. As pessoas na cidade tinham seus olhares curiosos e parecia que já não me reconheciam mais, porém eu não poderia julgá-las. Eu tinha apenas dez anos desde a última visita e todos só iriam perceber quem eu era quando me vissem entrando pelos grandes portões do meu terreno abandonado.

O carro se movia pelas ruas lentamente. Era preciso ser precavido, pois estava ocorrendo um grande evento naquele dia. Haviam diversas crianças e adolescentes fantasiados pela cidade caminhando distraidamente durante seu divertimento com os demais amigos. Deveria ser algo relacionado à cultura oriental. Posso jurar que o mestre Camus de Aquário passando bem perto de mim.

Eu observei a paisagem e à bagunça daquela festança, enquanto refletia sobre o ambiente agradável e deixava o ar puro entrar em meus pulmões limpando meu organismo, como se o ar das árvores ao meu redor conseguisse tirar toda a preocupação de mim.

Eu gostava daquele ambiente. Quando pequena, George me levava para à casa onde poderíamos ter dias divertidos ou para que ele recebesse energias positivas podendo dar asas à imaginação. A maioria de seus trabalhos foram criados naquelas paredes. Outros em passeios pelo mundo e aquele era o grande amor da vida do artista depois de perder sua alma gêmea. Seria bom chegar e encontrá-lo esculpindo uma nova obra, após um momento de reflexão sobre como não deixar sua filha preocupada enquanto sai viajando pelo mundo.

George sempre dizia que eu havia puxado a teimosia de minha mãe. Então, talvez ele estivesse pronto para as buscas que eu estava fazendo e não se surpreenderia quando eu o encontrasse. O grande problema era esse, pois por saber sobre minha perspicácia ele conseguiria driblar-me em alguns momentos. Aquilo me preocupava.

O carro estacionou na frente da casa antiga. O sol entrou forte pela janela fazendo o calor percorrer cada canto do meu corpo até deixar minha garganta seca. Havia tanto a ser feito e eu já estava exausta só de pensar.

— Precisa de um guia pela cidade? — perguntou o uber, me ajudando com as malas. — Posso indicar alguns ótimos.

Pensei brevemente na ideia. Depois de tantos anos indo até lá, eu nunca havia explorado a cidade como os turistas faziam. Não que não fosse de meu interesse — era um lugar realmente bonito e às vezes pacífico —, mas quando pequena minha única vontade era pular amarelinha e assistir tv globinho de manhã. Claro que já tinha visto as festas pela cidade. A grande mansão de festa em frente à praça principal no final da estrada de pedra era bastante agitada em quase todos os dias da alta temporada, e as pessoas sabiam se divertir por ali. Aconteceram até brigas em frente à casa depois dos bailes onde as pessoas atiraram pedras umas nas outras, de modo que até achei perigoso ficarmos na rua naquela época. Mas, tirando alguns imprevistos, eu gostava daquele lugar e das memórias que vivi antes.

Neguei a proposta do rapaz ao perceber que queria manter tudo como exatamente estava em minha cabeça e dei apenas um sorriso para ele pensando em minha maior preocupação enquanto estivesse ali. Encontrar George.

— Bom, nas próximas semanas acontecerá um evento divertido — ele comentou. — Se estiver interessada em nossa história pode aparecer e participar. Não sei se se à moça conhece as histórias, mas é muito agradável.

— Confesso que não me recordo de todas, será um prazer comparecer.

— Ah! Então você era daqui? — Assenti, mesmo que não fosse 100% verdade. — Então as pessoas vão amar revê-la.

Novamente meus pensamentos foram até George, que adoraria aquilo. Não tive como não sorrir ao pensar que ele já estaria perguntando para as pessoas sobre tudo que ocorrera nos últimos anos só para ter algo à esculpir e doar ao evento…

Se ele soubesse o mínimo da falta que iria fazer teria pensado melhor.

Eu me perguntava a todo instante se ele realmente havia pensado em mim quando tomou a decisão. Parecia mais que aquilo não estava fazendo bem a ele mesmo, pois sumir e me deixar ainda mais desesperada não havia mudado muita coisa da rotina que já tínhamos.

Não que eu tivesse deixado de viver enquanto ele estava tentando sair de seus vícios. Eu ainda tentava me divertir. Mas creio que por falhar na maioria das vezes, ele preferiu deixar de ser um peso para mim.

O homem da minha vida era um grande tolo — por acreditar que eu gostaria de noites agitadas — e um renomado artista plástico. Muito conhecido pelos ricos ao redor do mundo, e eu era sua aluna fiel. Havia me apaixonado pelos pincéis e telas em branco ainda muito nova. Claro que foi uma vitória para ele, pois tudo o que estava em sua mente seria passado para frente. Algo importante como um legado.

Pelo fato de sermos conhecidos nesse meio, nosso trabalho era um pouco caro. O que nos garantiu uma boa renda durante anos e alguns investimentos.

Lembro-me até mesmo de ter visto peças de George serem leiloadas em algumas de minhas viagens por valores absurdos depois de seu primeiro desaparecendo. As pessoas me procuravam para saber de notícias e eu não tinha o que lhes dizer, além de me alarmar ainda mais por não ter novidades nem para mim mesma.

Eu não tinha ideia do que fazer e ele simplesmente desaparecia quando percebia meu pânico. Assim pelo menos não precisaria encarar a filha furiosa todo maldito dia.

Eu sabia que depois de admitir seu vício meu pai sentiu que se tornara um grande peso em minhas costas, e que esse era o motivo principal de ter deixado tudo para trás. Afinal havíamos brigado tantas vezes por sua irresponsabilidade que confesso já estar esperando por uma atitude pior de sua parte.

Mas havia limites — importantes — que ele resolveu colocar de lado. E as palavras naquela maldita carta faziam com que todos os limites realmente se quebrassem. Eu poderia ser tola pensando dessa maneira ou egoísta querendo que meu pai estivesse ao meu lado o tempo todo. Mesmo que isso fosse um pouco infantil, não queria que tudo acabasse sem que eu aproveitasse cada chances que tivesse com meu pai. Eu era sua única filha, e depois da morte de Lúcia me tornei sua única família. Isso deixava tudo entre nós muito importante para mim e fiz o que pude para que ele nunca se preocupasse com rebeldias adolescentes para ter menos trabalho em sua vida.

Prestei atenção em todas as aulas, em todas as suas explicações de artes e aprendi a amar uma parte. Mas quando ele admitiu que estávamos perdendo tudo por conta de suas dividas em jogos, tudo o que fiz se tornou raso. Pois para George minha preocupação era apenas pela sobrevivência.

Se ele pensasse com carinho, teria percebido que era por amor. Mas meu egoísta e desnaturado pai viu apenas o que poderia significar em sua própria cabeça. Não chegou a me perguntar de fato o que eu sentia ou pensar como me sentiria depois. Então eu precisava encontrá-lo para dizer tudo aquilo e esfregar seu nariz na parede.

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