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- Amélia! Venha logo fazer o almoço, eu já estou com fome! - minha mãe gritou da sala.

Me recusei a responder enquanto esfregava com força a calça jeans contra o tanque. Meus dedos doíam, mas parar agora não era uma opção. Único momento que eu poderia me afastar deles e pensar com clareza.

Meus pais são complicados, aparentemente eles gostam tanto da Cinderela que decidiram ter uma, eu só esperava que tivesse o mesmo fim. Sonhar não custava nada, é claro. Faça isso, pegue aquilo, limpe isso, você está errada, você não sabe fazer nada, que insolente não me responda. Já estava acostumada com isso.

Nossa família já esteve em condições melhores na questão financeira e lembro de quando pequena de empregada arrumando a casa, mas algo aconteceu e desde então o único dinheiro que tínhamos era para pagar uma dívida do meu pai. É um assunto que não tocamos, já tem muito tempo e pelo que sei não esta nem perto de quitar. Meu pai tem um pequeno negócio na cidade e com o pouco que lucra divide entre a casa e a dívida, isso quando minha mãe não inventa de gastar dinheiro reclamando o tanto de tempo que não tem nada novo na casa. A ultima aquisição dela foi um casaco de pele gigante que ela insistia em usar dentro de casa enquanto deixava o ar-condicionado na opção polo norte e o sol rachava lá fora. Se meu pai visse que ela gastou dinheiro atoa seria uma discussão na certa e ela nunca daria o braço a torcer. Acontece que com esse casaco meu pai não teve dinheiro suficiente para pagar a tal dívida.

Termino de esfregar a calça e deixo de molho com as outras roupas, lavo minhas mãos e vou até a cozinha secando minhas mãos na blusa. Abro a geladeira olhando todas possíveis opções para o almoço, oque não era muito. Algo rápido e pratico.... Começo a preparação de macarrão à carbonara. Eu não esperava que tivesse alguém em casa hoje então não me preocupei com o almoço, porém sem dinheiro meus pais decidiram economizar e ficar em casa, geralmente almoçavam fora com alguns amigos.

Monto a mesa com os três pratos, talheres, copos, preparo suco natural de laranja para bebermos e volto a cozinha para terminar as preparações. Jogo o macarrão na travessa de vidro, levo à mesa e vou chamá-los para comer.

- Mãe, a mesa esta pronta. - ela desvia o olhar das unhas pintadas e me encara. Sinto toda a pressão de seus julgamentos internos sobre mim. Passei a mão na blusa e me virei indo para mesa. Meus pais logo atrás de mim.

- Não me diga que você pensa que comerá conosco na mesa desse jeito imunda? - Ela disse se sentando na mesa - Não pensa muito não, retira esse prato e come na cozinha ou qualquer outro lugar que eu não consiga te ver.

Meu pai olhou para ela, indiferente a situação, ele pouco se importava na verdade com oque acontecia comigo, o mais importante era sempre agradar minha mãe, não importa o que. Nem para almoçar meu pai largou o celular, ambos se sentaram na mesa e aguardaram eu por os pratos.

- Isso que você conseguiu fazer? Esse macarrão simples? Cadê o resto da comida? - Ela empurrou o prato de volta pra mesa sem tocar e meu pai tirou o olhos do celular para espiar oque havia no prato dele.

Acredito que mentalmente ele reconheça que não deu muito dinheiro para as compras e que eu tenha trabalhado com oque deu. Ele voltou seus olhos para minha mãe por cima dos óculos enquanto eu aguardava do lado da mesa mais alguma reclamação dela.

- Estaríamos no restaurante se não fosse esse casaco de pele que esta usando. - Ele disse para ela e vi pelo canto dos olhos ela resmungando. - Alias, espero que não pense usar esse casaco por muito tempo se não, não teremos dinheiro suficiente para pagar a energia.

Pedi licença e retirei o meu prato da mesa, seguindo para a cozinha. Meu estomago roncou ouvindo-os comer na sala ao lado. Enquanto eles comiam decidir ajeitar a cozinha, lavei a louça, as panelas, o fogão. Distrai minha cabeça tentando também distrair meu estomago.

- Eles vieram novamente semana passada cobrar a dívida - Escutei de longe meu pai conversando com minha mãe.

- Credo, eles parecem sarna na gente.

- Preciso pagar logo, você não conhece eles. São perigosos. - Dava pra sentir que estava tenso pelo tom de voz

- Você chora de mais, o que eles poderiam fazer? Eles tem dinheiro, uma parcela não vão nem se importar.

- Você realmente não sabe de quem estamos falando.

Ela se queixou e ouvi eles deixando a mesa.

Me arrastei até a sala de jantar e tirei a mesa, lavei a louça e guardei a comida depois de tirar um prato pra mim. Não sou muito fã de macarrão, porém foi a coisa mais fácil que tinha para fazer.

Sentei na mesa e comecei a comer o macarrão esperando que me saciasse o dia inteiro, já havia feito quase todas as tarefas do dia e faltava apenas terminar de lavar as roupas.

Minha vida tem sido assim por muito tempo, as vezes gostada de imaginar como seria se eu tivesse outra família, se todas são assim. Eu nunca tive muito contato com outras famílias, terminei a escola a alguns anos e nunca fiz nenhum curso ou faculdade então não tinha amigos. Meus pais sempre falam o quanto tenho sorte de ainda viver com eles e acredito que seja verdade, com 23 anos e ainda tenho um lugar para morar. A única coisa que eu poderia fazer para ajudar, são as tarefas da casa e assim mostrar como eles precisam de mim. Eu confesso que tenho medo de sair daqui e me perder no mundo, afinal não conheço nada.

Meu prato estava na metade quando ouvi a porta da sala bater. Minha ame logo apareceu na sala de jantar.

- Anda, anda. Vá preparar o café pra visita. Que péssima hora pra vir na casa de alguém desse Jeito. - Ele disse baixo empurrando meu prato e eu da cadeira. - Não demore, estamos aguardando na sala. Pode trazer 4 xícaras.

Eu não entendi direito, levantei rápido e corri para a cozinha. Deixei meu prato pela metade em cima da pia enquanto preparava o café. Ajeitei a bandeja peguei as xícaras e nesse tempo a água havia acabado de ferver. Quem será que chegou? Não costumávamos receber visitas ainda mais agora após o almoço. Passo a água no filtro com o pó de café e por fim pego a bandeja com as xícaras e o bule para levar a sala.

Minha atenção se mantém exclusivamente na bandeja com todas as xícaras e caminho.

Quanto chego a sala consigo ver dois homens de terno sentados nas poltronas e meus pais no sofá. De longe consegui ver o suor na testa dele, estranhei por que a sala estava um gelo que era impossível alguém sentir calor aqui dentro.

Tropeço sem querer no tapete quando vou colocar a bandeja na mesa de centro e todos olhos se voltam pra mim.

- Me desculpem - Digo com a voz baixa. Logo todos voltam a me ignorar, menos um dos homens de terno. Ele sentava tão confortável na poltrona como se realmente fosse a casa dele. Suas pernas cruzadas e seus braços apoiando sobre a poltrona.

- Volte pra dentro - Minha mãe disse me espantando como se fosse uma mosca incomoda sobre eles. - Quando eu precisar te chamo.

Resolvi então dar meia volta e sai da sala o mais rápido possível, ainda sentia queimar sobre mim o olhar da visita. Quando cheguei a cozinha senti meu peito apertar e lembrei que estava segurando a respiração. Terminei de comer o mais rápido possível e voltei pra área de serviço terminar de lavar a louça.

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