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Charlote Lauren

Fernando de Noronha, Pernambuco,

Quatro de fevereiro de 2005

1

As pessoas sempre me questionavam como eu podia acordar de mau humor morando em Fernando de Noronha. Era difícil por demais, para mim, mesmo habitando nesse paraíso de céu azul, ter que encarar aqueles olhos de mel que faziam as minhas pernas simplesmente estremecerem logo pela manhã. Os olhos de Mel eram Allan Gesser, meu melhor amigo e o amor da minha vida.

Era o primeiro dia de aula na Escola Arquipélago e eu estava aperreada pela casa, tensa de insatisfação e criando expectativas sobre a roupa que usaria, como ajustar o pichete do meu cabelo ou as palavras certas que diria para impressioná-lo.

Diacho de paranoia besta é essa a minha, visse!

Não me recordo exatamente o momento em que eu me apaixonei pelo meu melhor amigo, eu poderia ter evitado? Certamente sim, mas não evitei, não fugi, não tentei esquecer e agora aqui estou, lesada por um sentimento que sei que jamais será correspondido.

Vesti a roupa mais nova que tinha. Eu amava aquela saia floral junto com a blusa branca e um casaco preto. Quando sai do quarto Jacob foi logo encarnado em mim:

— Oxente! – Apontou o dedo para saia que eu vestia – O botijão está todo enfeitado hoje!

Fi duma égua!

Eu só não xinguei ele em voz alta porque certamente mainha escutaria, e me daria uma bela chapuletada no pé do ouvido.

Eu era a gorda da turma e sempre me questionava quem havia puxado com o tamanho “GG” em uma família que só havia cambitos. Mainha sempre me dizia que Deus havia se inspirado demais quando pensou em me fazer, por isso todo esse tamanho. Eu quero acreditar que só pode ter sido isso mesmo.

Saí em direção à cozinha para tomar o desjejum em companhia da minha adorável família, mas fui fuzilada por aquele olhar que só mainha tinha.

— Oxê! O que é isso? – Mainha franziu a testa fazendo me recordar de imediato a infeliz realidade de ter que estudar na mesma escola em que ela trabalhava. – Volte para o quarto e vista a sua farda.

Eu revirei os olhos aborrecidos. Mainha estava arretada com o meu comportamento. Mas não adiantaria desobedecê-la, mesmo que eu quisesse reivindicar os meus direitos, o máximo que eu receberia, era uma sandalhada na cara.

— A senhora sabe que não é obrigatório o uso de uniformes no primeiro dia de aula, mainha? – Eu sei que ela não vai concordar, mas prossigo mesmo assim. – Apois, mainha, me deixe ir com essa roupa hoje.

— Está me contrariando, menina? – Ela me olhou furiosa. – Pare de leseira e vá trocar de roupa agora mesmo, visse.

Sobre os risos debochados dos meus dois irmãos mais novos, eu fui em direção ao quarto vestir o meu uniforme.

Que diacho! As aulas mal começaram e eu já seria a piada do colégio.

Enquanto sinto as lágrimas descerem me observo no espelho e vejo o quanto estou ridícula. Meu peso não me favorece, os meus noventa e três quilos é o único problema em mim, já que tenho os cabelos lisos e loiros, os olhos verdes, a pele branca e o sorriso bonitinho.

— Eu odeio a minha vida – eu disse em voz alta, deixando os pensamentos saírem da minha cabeça para ficarem parados diante de mim como uma cruel realidade.

2

Enxuguei as lágrimas, catei minha mochila e saí do quarto fingindo que tudo estava bem. Eu estava um pouco calada no caminho para a escola enquanto mainha contava sobre os acontecimentos no emprego de painho. Ele era guia turístico em Fernando de Noronha e o que não lhe faltava eram boas histórias para contar sobre os turistas e as suas loucuras. Por algum motivo ela falou o nome de Allan, me fazendo lembrar o quanto unidas eram as nossas famílias antes mesmo do meu nascimento e de Allan. Talvez por isso nos tornamos tão amigos. Se eu pudesse prever o futuro de algum modo, eu evitaria a todo custo ser amiga do Allan, mas eu não pude evitar, nem uma coisa e muito menos a outra, me apaixonar por ele foi o pior desastre da minha vida e continuar sendo a sua amiga, talvez fosse a coisa mais sensata que eu pudesse fazer naquele momento pelo resto de nossas vidas, porque o meu plano era que ele jamais soubesse dos meus sentimentos por ele.

Talvez uma coisa sobre Allan que sempre tenha me fascinado seja aquela personalidade forte, a beleza bem maior do que os seus um metro e setenta, e o seu corpo “M” escultural de um garoto de apenas quinze anos. Ele era um cabra bonito por demais visse, por isso arrancava suspiros de todas as boyzinhas do colégio, inclusive os meus.

Eu o conhecia tão bem, esse era o meu ponto fraco, saber tudo sobre ele e fazê-lo acreditar que sabia também tudo sobre mim.

Chegamos ao colégio sem que eu visse o tempo passar. Meu coração logo acelerou pelo simplório fato de saber que veria ele novamente depois de dois longos meses de férias sem nos vermos.

3

Allan viajou sem me avisar, foi sem se despedir, sem sequer dizer se voltaria logo, não me ligou e não me deu notícias, e eu, simplesmente por motivos óbvios e indiscutíveis estava arretada com ele. Cheguei na porta do colégio e todos os olhares se voltaram para mim.

Cochichavam daqui, riam de lá e toda aquela atenção sobre mim me fez andar apressada que nem percebi a presença do Allan. Tudo o que eu queria era correr para a sala de aula e ficar lá até o turno acabar.

— Bom dia balofa – eu mal entrei na sala e Emília veio correndo atrás de mim toda metida a cavalo do cão pronta a tornar o meu dia o pior de todos. – Esqueceu que hoje é o primeiro dia de aula ou está sem roupas legais que escondem toda essa banha aí?

Apertei com força os lábios e permaneci calada enquanto ouvia risos discretos vindos do fundo da sala, e quando observei melhor, vi o Allan junto aos outros rindo de mim também. Fiz cara de pouco-caso, e fingi não me importar, mas só Deus sabia que o meu coração quase explodiu de tanto ódio.

Eu nunca respondia a esses tipos de insultos por mais que eles me machucassem.

Emília era a garota mais popular e mais bonita do colégio. Tinha rosto e corpo magros, cabelos claros e finos e a pele delicada como a de uma boneca. Ela andava impecavelmente bela e sempre tivera todos os meninos do colégio babando aos seus pés. Seu pai era o diretor do colégio e sua mãe, tão bonita, se preocupava apenas em ir a festas e se divertir com pessoas alegres que ela considerava importantes. Nunca dava muita atenção à filha, talvez por isso Emília tivesse sempre aquele mau humor insuportável e aquela cara ranzinza que eu tanto detestava.

De uns tempos para cá eu havia percebido um certo interesse dela por Allan. Logo por ele, pensei eu.

Eu já estava acomodada em minha carteira só esperando o início da aula, quando Allan passou por mim em silêncio, me olhou, sorriu e seguiu em direção a Emília a abraçando de um jeito tão caloroso que causou em mim um ataque silencioso e perturbador de ciúmes.

— Como ele pôde? – Eu pensei. – Quem ele pensa que é? O suprassumo? A tampa de crush? Mas nem sendo o cão chupando manga ele tem o direito de me magoar dessa maneira.

Mas eu não me movi, apenas virei o rosto e escondi de novo o que eu sentia. Eu não queria ver aquilo, mas o Allan? Ele que me aguardasse na saída.

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