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O som estridente da buzina e pneus derrapando na pista fizeram Giovana soltar a bolsa que segurava e fechar os olhos tão fortemente, que poderia sentir a cabeça latejar de dor. Ainda tremula, ela sentiu o vapor quente que saía do capô do carro tocar a sua perna. Quando abriu, enfim, os olhos, mal pode acreditar que o veículo estava assim tão perto de matá-la. Seria outra terrível tragédia em menos de vinte e quatro horas. Levantou o olhar até o motorista, que já saía do carro em meio a um trânsito caótico, e caminhava furioso em direção a ela.

— Mulher maluca! – Salivas escapuliam entre os seus dentes cerrados – Se não olhar por onde anda, da próxima vez não terá tanta sorte.

Porém, ela não tinha tempo para aquelas ameaças. Mal olhou nos olhos do homem e voltou a caminhar para longe, quando se lembrou da bolsa que deixou cair. Cinco passos, estava de volta ao lugar em que quase morreu, e o motorista irresponsável, continuava lá, falando coisas absurdas que ela nem teria chance de responder.

Com o coração ainda descontrolado no peito, Giovana entrou no hospital e parou em frente a recepção. Ela fechou os olhos momentaneamente, rezando para a Gina estar bem e que pudesse se acalmar imediatamente, ao ponto de ajudá-la.

— Eu vim ver Gina Lens – sentia as palavras travando em sua garganta.

A recepcionista analisou a mulher a sua frente, voltou a olhar para a tela do computador com puro desdém.

— Só familiares podem entrar – disse sem olhar nos olhos de Giovana.

— Eu sou a irmã dela – concluiu impaciente – e sou responsável pelo pagamento de toda a despesas médicas.

O semblante da recepcionista mudou drasticamente e, sem preencher nenhuma informação, ela autorizou a entrada de Giovana, indicando onde encontraria a Gina.

Enquanto caminhava apressada pelo corredor, sem saber exatamente para onde estava indo, Giovana se recordou da ligação que recebera da mãe horas antes.

— Gina foi levada ao hospital, preciso da sua ajuda.

Era sempre assim. Poucas palavras, nenhum sentimentalismo e muitas cobranças. Giovana era apenas um meio de suprir as necessidades da sua mãe e irmã. Mas ela amava a Gina e não suportaria considerar perdê-la um dia.

Avistou sua mãe de longe e soube que era ali que deveria ir. Irma, ao perceber a presença dela, a olhou com desprezo e não esboçou nenhuma reação.

— Como ela está? – Perguntou, mas a mulher não a olhava.

Era como se Giovana não existisse para ela.

— Como eu vou saber? a rispidez nas palavras demonstrava que Irma não tinha nenhuma paciência para dialogar com ela, – você é a confidente dela, deveria saber o que a Gina anda aprontado por aí.

— Eu deveria saber? fechou os olhos, passando os dedos sobre as têmporas doloridas, precisava se acalmar, discutir com Irma não ajudaria Gina. – Trouxe ela para o hospital sem conhecer os motivos?

— Ela se queixava de fortes dores abdominais e chegou a desmaiar no carro – concluiu friamente, – levaram ela para uma sala e desde então não tenho mais notícias.

Giovana sabia que a frieza de Irma era apenas devido à sua presença. Gina sempre foi sua filha favorita, sendo assim ela tinha certeza que mesmo transparecendo não se importar, por dentro Irma estava arrasada.

— E onde está o seu marido? – Pela primeira vez a olhou nos olhos, – Não sei como o Antony te suportou por tanto tempo.

— Não estou aqui para ouvir sua opinião sobre o meu casamento, eu só quero ver a minha irmã.

Um sorriso zombeteiro surgiu nos lábios de Irma e antes que ela pudesse retribuir a provocação, a porta do quarto se abriu e um homem saiu de lá de dentro. Vestia um jaleco e tinha um crachá grudado nele. Tinha uma aparência cansada, como se trouxesse sobre si notícias devastadoras.

— Vocês são parentes de Gina Lens?

— Eu sou a mãe dela – disse aquilo orgulhosamente desesperada, causando repulsa em Giovana.

— Infelizmente a Gina precisará de uma transfusão de sangue. Está com uma forte anemia.

— Ela corre risco de vida? Giovana arregalou os olhos sem acreditar no que ouvia.

— Infelizmente sim – respondeu o médico, e Giovana não gostou do que percebeu no semblante dele.

— Está me dizendo que a Gina pode morrer? Irma entrou em desespero. A ternura maternal de Irma era direcionada apenas para Gina. A vida inteira foi assim.

Do outro lado, Giovana tentava assimilar as informações. Como a saúde de Gina chegou aquele ponto? Ou talvez nem mesmo ela soubesse que seu estado fosse tão grave, ou estivesse com muita vergonha de contar?

Ainda parada ao corredor, Giovana sentiu o celular vibrar. Olhou para a tela e viu uma chamada telefônica de Antony. O ar entrou como um jato em seus pulmões quando ela respirou fundo antes de atendê-lo.

— Onde você está? – Mas ele não esperou que ela respondesse, prosseguiu friamente como se não se importasse com a resposta, – Temos uma reunião com o advogado daqui à meia hora para leitura do testamento do Nicolau.

Giovana havia se esquecido desse compromisso. Sua respiração estava tão pesada que ela nem sequer percebia a presença de qualquer outra pessoa no corredor.

— Me desculpe, Antony, eu fiquei tão preocupada com a Gina que me esqueci completamente.

— Eu não preciso das suas desculpas, Giovana – foi ríspido, como sempre era, – eu preciso de você aqui, agora.

O rosto de Giovana estava contorcido de amargura, e ela apenas obedeceu às ordens do seu marido. Ela sempre obedecia.

— Estou no hospital da cidade.

Era claro que ela queria explicar a Antony que Gina precisava dela naquele momento, mas Antony não a ouviria e nem aceitaria suas desculpas. Ela o conhecia tão bem que sabia o quanto sua existência era insignificante para o seu marido.

— O motorista está indo aí buscá-la.

— Antony, eu não posso sair daqui agora, Gina precisa de mim…

— Não me interessa – disse com um tom surpreendentemente grave, – não tenho tempo para isso. Apenas me obedeça.

Giovana sentiu um fluxo de Adrenalina percorrer todos os seus membros, cada nervo seu despertando à medida que ela tentava entender a frieza do próprio marido. Mas antes que ela considerasse responder, a ligação foi encerrada. Quando, enfim, voltou à realidade, percebeu que a sua mãe ainda estava conversando com o médico sobre o estado delicado de Gina. Então ela se aproximou.

— Giovana e a Gina têm o mesmo tipo sanguíneo, ela pode ser a doadora.

Irma não se sentia nada feliz em dizer aquilo, mas ela faria o que fosse preciso para salvar a vida da filha predileta. O que ela não sabia era que estava colocando Giovana em uma situação delicada.

— Ótimo! – Animou-se o médico, – podemos fazer isso agora mesmo.

— Eu não posso – Giovana sentiu o coração se dilacerar, entre ter que escolher seguir as ordens de Antony ou ajudar a salvar a irmã, – Eu não posso agora, estou atrasada para um compromisso com o Antony.

— Não pode? Irma parecia inconformada, – Que tipo de compromisso é mais importante do que salvar a vida da sua irmã?

Mas Giovana, sem ter tempo para discussões, deu de ombros e voltou a sua atenção para o médico.

— Diga-me doutor, Giovana perguntava com dificuldade, – A Gina consegue aguentar por algumas horas? Precisa me prometer que a manterá viva até que eu volte.

— Eu não posso lhe prometer isso – falou ele, balançando a cabeça, – mas posso tentar o possível.

Giovana tentou engolir a própria saliva, mas a garganta não obedeceu. Ela começou a se afastar.

— Se a Gina morrer, saiba que a culpa será sua, Giovana. Somente sua.

Na metade do seu desabafo, Irma havia abaixado o olhar e agora encarava o chão. Suas últimas palavras ecoaram por toda a ala do hospital e Irma esperou que ela mudasse de ideia, mas Giovana permaneceu calada e finalmente foi embora dali.

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