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Ela se sentiu submersa, em um líquido nem frio, nem quente, porém conseguia sentir a forte pressão que a envolvia. Antes que pudesse se mexer, sentiu um toque em sua pele nua, como se fosse seda, passando por suas extremidades e chegando ao seu rosto. Quando sentiu o toque passar pelas bochechas, conseguiu ouvir uma voz grave que a fez enrijecer:

-Sentiu minha falta? - A voz não parecia ter uma fonte, ela vinha de todos os lugares. - Agora está na hora de voltar.

Peneloppe abriu os olhos e imediatamente voltou para a realidade de sua cama quente e macia, a lua ainda não havia se despedido do céu. Seus pés alcançaram o tapete felpudo ao lado da sua cama enquanto seus pensamentos giravam em torno daquela voz.

Aquele não havia sido seu primeiro sonho, de certa forma, se sentia até íntima daquele ser, afinal, ele era o único que a tocava, mesmo que fossem apenas sonhos. Há quantos anos ela já havia desistido de contato humano ela nem saberia dizer, a desconfiança do mundo tinha deixado sua marcas no tempo, na pele e em sua alma.

Aquele dia começou bem cedo, ela aproveitou o tempo extra para estudar, como seu contato com outras pessoas era bem limitado, sua preferência era fazer tudo por conta própria. Acabando seus estudos ela comeu bem rápido e saiu para a livraria. O nome da cidade era Argius, e tinham menos de dez mil habitantes. Apesar de uma paisagem muito verde com casas de madeira e arquitetura rústica, tudo parecia tão cinza. Após cruzar a ponte do lago e chegar na principal avenida de comércios, ela entrou numa casa muito velha, com aspecto de conservada:

-Fala, Steeve.

-Olá Pem, caiu da cama de novo? - O dono da livraria tinha um aspecto comum, cabelos castanhos até os ombros e barba espessa, porém parecia jovem, ninguém de fato sabia sua idade mas acreditava-se que não mais que 30 anos.

-Muito engraçado, vou para o corredor de livros acadêmicos, mas estarei por aqui caso tenha alguma outra piadinha nessa bela manhã de inverno. - Eles riram e Steeve voltou para o balcão de atendimento.

Peneloppe poderia se dizer próxima do dono da livraria mais do que de qualquer pessoa, ele sabia muito sobre ela pelos títulos de livros que costumava comprar, mas não era invasivo, então nunca tentou se aproximar mais do que ela lhe dava liberdade para fazê-lo. De todos naquela cidade, ele era o único que ela realmente gostava da companhia.

Enquanto procurava as livros que precisava, e deixava seus pensamentos fluírem, ela sentiu um vento frio e então ouviu o sino da porta:

-Bom dia, gostaria de saber se possuem livros de idiomas? de Preferência em Russo. - Ao ouvir a voz, o queixo de Peneloppe caiu e ela se sentiu paralisada, não podia ser a mesma voz de seu sonho.

-Claro Sr, temos do básico ao avançado, qual seria se sua preferência?

-Eu gostaria do avançado, por favor.- Os homens fizeram a troca, mas os pés dela não se moveram até o sino da porta soasse novamente.

Peneloppe conseguiu ouvir o rugir de um motor se distanciando enquanto muitas perguntas eram feitas em sua mente. Pela primeira vez na vida ela sentiu suas entranhas arderem, sem entender direito aquele sentimento, como uma posse ou uma perda. Seus pensamentos estavam perdidos em algum lugar da sua mente quando um choque de realidade a açoitou.

“Meu Deus, estou atrasada!” - Pensou.

Não é que ela se sentisse realmente feliz no seu emprego, seus sonhos sobre carreira foram enterrados em algum lugar, junto com vários sentimentos que ela nem saberia descrever. Mas ela vivia uma vida tranquila, mais do que poderia esperar num emprego de assistente administrativa no jornal da cidade. Seu dia a dia era basicamente organizar quem faz o que e calcular reservas de anúncios, não ter que lidar com público era o ponto alto desse emprego.

Apesar de um vida tranquila e fechada, nem tudo eram flores, suas respostas secas e seu cinismo incomodavam aqueles que achavam que mereciam algo a mais por seu status, então era frequente que a filha do dono do jornal viesse fazer visitas inoportunas a sua mesa para de alguma forma tentar humilhá-la ou apenas fazer do seu dia um pouco pior, o que de fato só acontecia quando ela resolvia se intrometer no seu trabalho. Débora era mais uma das mulheres da cidade de Argius que achavam que respeito era algo com o que se nascia junto com status, apesar de sua mãe não ter lhe ensinado essas coisas, afinal a Sra Connor era muito educada e respeitosa, só fazia vista grossa para as atitudes da sua filha.

Após a chegada pontual no trabalho, Pem começou as rotinas diárias de trabalho, até que um toc toc na porta chamou sua atenção.

-Peneloppe,por favor, eu preciso da sua ajuda - Débora chegou abrindo a porta com uma expressão indecifrável no rosto, mas parecia algo entre desespero e enjoo.

Haviam tantas coisas erradas nesse cenário que algo lhe dizia que não seria um dia comum, mal sabia o quanto estava correta.

-Pode falar Débora… - Mas antes que pudesse terminar sua frase a mulher a sua frente empalideceu e caiu de joelhos. - Mas o que?

Ela saiu correndo para ajudar a moça a levantar e puxou uma cadeira, após confirmar que Débora não iria tombar para um dos lados, foi buscar um copo de água no bebedouro ao lado.

-O que aconteceu com você? - Pem ficou extremamente séria - E no que você precisa da minha ajuda?

Após alguns segundos de um silêncio interminável a moça começou a falar.

-Você se lembra que eu passei quase um ano longe da cidade? Eu fui escondida fazer uma matéria sobre um hospital psiquiátrico público que mantinha as pessoas que viviam lá em péssimas condições. Eu descobri que teve um político que subornava certas pessoas para que enviassem delatores para lá antes que pudessem denunciar um grande sistema de corrupção que ele mantinha. O problema é que esse homem me descobriu, eu tive tempo de fugir antes que ele entrasse no quarto do hotel. - Debora nem parava para respirar - Quando cheguei aqui contei o que houve, minha mãe achou melhor não publicar a matéria e me manter trabalhando aqui por segurança. Hoje de manhã eu vi o mesmo homem na cidade, eu acho que ele veio atrás de mim…

Peneloppe ouviu tudo em silêncio, mas nem se quisesse saberia o que dizer, as milhões de perguntas que vinham estampadas na sua mente não chegaram nem perto da maior delas “Porque ela está pedindo a minha ajuda?”

-Pem, eu não sei o que fazer, eu nunca tive tanto medo na minha vida, eu não tenho coragem de falar sobre isso com mais ninguém, eu tenho medo de todos a minha volta e de não saber em quem eu posso confiar.

-E você quis confiar em mim? E o que eu posso fazer para te ajudar?

-Pem, tem uma coisa que eu descobri naquela viagem, algo que eu nunca imaginei, aquele homem é na verdade alguém que você conhece, por isso que eu vim pedir sua ajuda.

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